Todos os outros textos que escrevi aqui foram fluxos de pensamento. Não teve edição, não teve parar pra pensar sobre, nada. Só peguei o celular e comecei a digitar. Dessa vez também, só que o app achou que não estava bom e está me fazendo escrever tudo de novo. Na hora que cliquei em “enviar”, ele fechou sozinho e me deixou aqui com os pensamentos na mão vazia.
Então vou tentar fazer diferente. Esse post foi escrito ao som de música. Todos os outros ao som do silêncio. Vamos ver se afeta alguma coisa. A ironia de jogar Young Miko no aleatório do Youtube Music e começar a tocar Classy 101 não passou despercebida.
“Que yo esté pensándote, para mí, es normal
To' lo que tienes, a mí me gusta
Vamos a comerno', baby, aunque no sea formal
Y, si nos envolvemos, no me asusta”
Quero escrever sobre o ano de 2022. Tive um relacionamento nesse ano que bagunçou demais a minha cabeça e me deixou muito mal mesmo. E preciso falar sobre isso. Por que? Sempre que comento algo sobre essa época é por cima, revirando os olhos porque fui muito trouxa. A única pessoa que ouviu essa história inteira, sem cortes, foi a Bia. Mas agora vocês, pessoas anônimas do Substack, vão ter a chance de saber também. Se quiserem. Era uma vez…
Apareceu essa garota na minha vida. Eu estava bem, bronzeada, tinha acabado de voltar de uma viagem a João Pessoa, era quase Carnaval e eu tinha um date diferente toda semana. Ao mesmo tempo que beijar na boca não era difícil, não sentia conexão real com ninguém. Até que a Pamella apareceu. Ela era muito gata, tinha cabelo azul, raspado na lateral, piercings e tatuagens. Ela tocava baixo e era engraçada pra caramba. Eu ficava animada só de trocar mensagens com ela, porque nunca sabia como ela iria reagir. Era divertido.
Tudo parecia bem, mas essa não é uma história de amor. É… outra coisa. Ela me avisou que tinha terminado um casamento de 9 anos há pouco tempo, que entenderia se eu não quisesse manter conversa com ela, mas que estava me curtindo. Aqui ela levantou a primeira bandeira vermelha. Eu ignorei. Não, ignorar não é a palavra certa, eu escolhi diminuir a problemática disso tudo, porque ela era TÃO legal. 🙄
A gente manteve a conversa e tudo fluía bem. Ela me fazia rir muito e eu sempre ficava animada quando tinha mensagem dela. Fomos nos conhecer pessoalmente numa Starbucks. Assim que ela chegou e me abraçou, o piercing dela ficou agarrado no meu brinco e quase arrancou ele da minha orelha. Doeu, mas eu ri. Grudadas e atrapalhadas desde o começo. Levei ela até a minha casa e lembro que ela me beijou primeiro, ao som de “Closer” da Tegan and Sara. Depois do sexo, ela levantou, se vestiu e anunciou que ia encontrar uns amigos. Assim, de súbito. Fiquei confusa, mas ok. Entendi que tinha sido casual. Levei ela até a portaria e assisti enquanto ela ia embora rindo com dois amigos.
Depois disso ela sumiu. Não mandou nada aquela noite e nem no dia seguinte. Fiquei me sentindo usada e acabei topando sair com uma ex. Ela mandou mensagem me convidando pra beber na praia com ela e umas amigas e eu fui. Ficamos, mas eu fiquei mais culpada que qualquer coisa. Sabia que também estava usando ela pra aliviar a dor que senti no ego. E enquanto eu estava lá, a Pamella mandou mensagem. Disse que tinha sumido porque a ex dela fez um escândalo quando ela chegou em casa. Parece que ela descobriu que ela saiu comigo e ficou muito puta. Foi um papelão: gritaria, choro, drama.
Ué. Mas elas não tinham terminado?
Então, parece que tinham terminado, mas ainda existia sentimento. Afinal, foram 9 anos de história. Ela disse que não deixou de amar a ex, mesmo que ela tenha terminado porque a mulher traiu ela com uma funcionária durante meses e não contou, ela descobriu. Falou que não sabia se elas iriam voltar ou não. E eu deveria ter me afastado. Já era mais que uma bandeira vermelha, era um lençol. A ex morava com ela e não tinha pra onde ir. Então até que ela encontrasse um apartamento, ficaria lá.
Só que “Stella, você é tão incrível, tão legal, nunca conheci ninguém como você. Queria que você continuasse na minha vida”. E eu fiquei. Ela seguia mandando mensagens, eu seguia respondendo, ela mandava nudes, eu respondia, ela falava sacanagens e eu interagia. Eu fiquei viciada naquela dinâmica. Ela marcava de me encontrar nos 20 minutos livres do home office e eu ia até a Lagoa encontrar com ela, porque a ex não podia saber que eu fui até lá. Ela pegava tempestade pra me buscar no trabalho e depois ia embora da minha casa no meio da madrugada porque a ex ficaria chateada se ela dormisse fora. Ela mandava presente e me pedia pra gravar vídeo abrindo pra ela ver minha reação, porque eu não podia ir lá pra ela entregar pessoalmente. Essa dinâmica bizarra durou uns 4 meses. Eu passava o dia inteiro falando com ela por mensagem, pensando nela, me deslocando km pra passar 5 minutos com ela. Nesse tempo não conversava com mais ninguém, não fui em nenhum outro encontro, ela ocupava todo o meu tempo sem estar lá.
Até que a ex encontrou um apartamento e finalmente saiu de lá. Quando ela ainda estava fazendo a mudança, precisou ir para Curitiba. Foi só então que a Pamella me chamou pra conhecer o apartamento dela. Era no décimo sétimo andar com vista pra Lagoa. Ela tinha uma cachorra muito fofa chamada Mussarela, uma vira-lata caramelo carente e rebaixada. Ela tinha outros dois cachorros, mas uma ficava na casa da ex-sogra e outra estava no spa pra cachorros. Sim. As cachorras dela se revezavam nesse spa pra cachorros porque elas se odiavam. Dormi lá e, de manhã, pedi a senha do wi-fi. Foi só eu me conectar, que ouvi o PING. A ex dela mandou mensagem. “Eu não acredito que você levou a Stella pra NOSSA CASA. Pra dormir NA NOSSA CAMA”. Outro papelão: ligação, gritaria, choro. A Pamella pediu pra eu ir embora enquanto chorava ao telefone.
Ué. Mas elas não tinham terminado? Ela não tinha saído do apartamento? Ela já não sabia de mim?
A bandeira vermelha que virou um lençol agora virava uma tinta vermelha que marcava tudo na minha vida. Eu passava horas revendo as coisas que ela me falava, será que eu tinha perdido alguma coisa? Não, ela mandava mensagens dizendo que estava apaixonada. Falava comigo o dia inteiro. Aquilo não fazia sentido. E aí ela escreve: “Não sei direito o que eu sinto ainda. Melhor a gente parar”. Eu ficava triste e alguns minutos depois ela dizia que não queria me fazer mal, mas que estava com saudade de mim, que não queria que eu saísse da vida dela. E eu ficava.
Essa dinâmica de te quero/não quero mais durou muito tempo. Eu passava um final de semana inteiro com ela, na segunda ela achava que eu deveria sair com outras pessoas. Insistia até que eu fosse mesmo. Ao que ela ficava puta, porque eu fui num date com outra e parava de falar comigo. Aí dizia que sentia minha falta, pedia pra eu ficar 2 meses na casa dela e, logo em seguida, dizia que não estava pronta pra um relacionamento e me mandava embora. Estar com ela era como estar constantemente numa montanha-russa.
Nesse meio tempo, ela arrumou outro cachorro, a Pistache. Essa era uma husky filhote extremamente fofa. Eu passava muito tempo com ela, dormia com ela, passeava com ela. Um dia cheguei lá e Pistache começou a fazer aquela coisa de husky de uivar falando. Ela estava muito feliz que eu cheguei. Ela dizia que eu era stepmom das cachorras. Eu me apeguei a elas.
Enquanto eu me relacionei com a Pamella nessa situationship bizarra, eu acompanhei ela em salão, em mercado, em médico e em farmácia. Guarde esse detalhe.
Dezembro chegou e, com ele, o aniversário dela. Era sagitariana. Eu gosto demais de pensar nos presentes que eu dou para as pessoas e, com ela, não foi diferente. Comprei uma caixa grande e coloquei várias coisas: uma camisa antitranspirante, porque ela dizia que não gostava de usar camisa suada; um funko pop do Steven Tyler, porque ela era muito fã dele; uma manta cinza nova pra cama dela, porque a que ela tinha estava cheia de furos feitos pelas cachorras; e um quadro que mandei fazer das 4 cachorras dela todas juntas, porque ela dizia que o sonho dela era ter todas as cachorras juntas, dividindo o mesmo espaço, mas que nunca conseguia isso.
Ela recebeu o presente. Ficou emocionada e disse que o quadro foi o melhor presente que ela já ganhou na vida. Fomos pra um bar. Achei estranho que ela não chamou mais ninguém pra comemorar o aniversário dela, só eu. A caminho do bar, o relógio dela não parava de apitar com mensagens. Perguntei quem era. “Uma amiga”. Ok. Não insisti. Mas alguma coisa me dizia que ali tinha coisa. Conversamos e bebemos, fomos pra casa dela e transamos. No dia seguinte, de manhã, sentamos no sofá para assistir um episódio novo de The L Word Generation Q que tinha acabado de sair. A Shane não queria mais estar em um relacionamento, mas não sabia como dizer pra namorada, então ela foi lá e pegou outra pelas costas. Lembro de dizer: “Cara, por que as pessoas não podem só falar que não querem mais? Prefiro a dor da sinceridade do que a facada da traição.” Logo em seguida ela me pediu pra ir embora. Disse que ia receber uns amigos para o aniversário dela e seria estranho se eu estivesse lá. Fiquei confusa, mas levantei pra ir embora. Na porta, perguntei quando a gente se veria de novo. Ela disse que não sabia e fechou a porta.
Fui pra casa muito confusa. O que aconteceu? Liguei pra ela e perguntei: “Você ainda quer ficar comigo?” E aí ela gritou, reclamou, falou que eu estava pressionando ela. “Só preciso de sim ou não”. E então ela disse que não. Desligamos e eu passei 3 dias chorando, sem levantar da cama.
Lembra que eu contei que acompanhei ela em farmácia? Vamos voltar 6 semanas. Ela foi num médico e estava com deficiência de B12, precisava tomar uma injeção todo sábado por 6 semanas. Da primeira vez, fui com ela porque ela disse que estava com medo se ia doer muito. Fomos atendidas por uma farmacêutica jovem, tatuada, de cabelo colorido e olhos azuis. Ela foi muito gente boa, tratou a gente bem e em 5 minutos fomos embora. Lembro da Pamella comentando sobre como era legal que naquela farmácia tanta gente parecia ser queer. No sábado seguinte ela já entrou sozinha, levou uns 10 minutos. Disse que ficou conversando com a menina. No terceiro sábado ela sugeriu que a gente levasse a Pistache junto, porque aí podíamos aproveitar pra passear com ela. Dessa vez, ela levou mais de meia hora fácil, porque fiquei cansada de ficar em pé fora da farmácia e sentei ali perto numa Starbucks (a ironia) pra esperar. E a cada sábado ela demorava mais. No último, fiquei na porta e lembro de ter a impressão de ver ela passando o celular dela pra mão pra menina. Depois as duas vieram pra fora, porque ela queria conhecer a Pistache.
Dito isso, recebi uma mensagem da Pamella no quarto dia pós-término: “sofri um acidente de carro”. Liguei pra ela na mesma hora. “Eu tô bem, mas a gente tava no carro quando um caminhão abriu a porta do nada e eu bati”. A gente? Quem é a gente? Aparentemente ela e a menina da farmácia ficaram “amigas”. Perguntei se elas estavam ficando e ela jurou que tinha começado depois que a gente terminou tudo. Mas ela disse que tinha muito carinho por mim, que queria que eu continuasse na vida dela. Isso me destruiu.
Naquela semana ela postou um story deitada agarradinha com a menina em cima da manta que eu dei de presente de aniversário, no story estava escrito “All I want for Christmas is you tá tendo. Te amo”. Entenda que no ano inteiro em que estivemos juntas ela NUNCA postou nada comigo. Para qualquer pessoa do instagram dela, eu nunca existi. E foi nesse momento que eu surtei. Mandei um textão falando um monte pra ela, nem sei mais o que disse, só que não queria mais ela na minha vida. Deletei todas as conversas, mensagens, fotos, vídeos, áudios. Eu só queria tirar ela da minha vida. Mas a essa altura, já estava tudo manchado de vermelho. Eu mesma já era uma grande red flag.
Foi nesse período que fiquei obcecada com uma pintura do Susano Correia, “Coração de Barro”. É um joão-de-barro dentro de um coração.
Me peguei pensando em como deixei qualquer uma entrar no meu coração. Como eu não tomei cuidado e confundi um estilingue com outro passarinho. Agora estava ali, com a minha casinha em pedaços, no chão, sem ter onde morar. Decidi que dali em diante eu precisava estar mais atenta, precisava tomar cuidado com os estilingues. Tatuei essa imagem no braço pra nunca mais me esquecer. Sério, ocupa todo o meu braço direito, pra me lembrar de que por mais que eu carregue meu coração na manga, ele primeiro é a MINHA CASA.
Eu avisei que essa não era uma história de amor. Mas hoje eu estou bem, tá? Contei aqui a minha história com a Bia, que é muito mais legal e fofa. E ela sabe dessa história e das marcas que esse relacionamento deixou em mim. Só que hoje meu coração está quentinho, firme e forte, praticamente um triplex, onde moram dois passarinhos.
SEUS TEXTOS SEMPRE SAO TAO BONS QUE SACO, acho que todos nós vamos pensar mais no emocional do que no racional quando alguém invade de forma quase destruidora nosso coração, eu gostei muito da forma que você narrou, cada ponto final parecia que você realmente tinha finalizado com um tom amargo na escrita, sabe? mas a forma que você descreveu seu atual relacionamento foi muito fofo tambem, texto muito bom!! (obs: pamella sempre foi nome de quenga …)